sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Destino

Carlos Augusto se deixou convencer pela noiva, Elenora, a ir em uma cartomante que era muito poderosa e que poderia dizer-lhe qual seria o futuro dos dois e se ela iria passar no vestibular. Não que o rapaz acreditasse nessas coisas, mas também não duvidava, afinal como estudante de física deveria estar aberto a todas as possibilidades do cosmos.
Ao chegar lá, foram conduzidos até a sala de espera da casa e ficaram ali por algum tempo até que a vidente tomasse os seus banhos de sal grosso para descarregar o encosto que tirara do último cliente.
Chegou na saleta, fumando um cigarro e vestida com um robe cor-de-rosa, e os conduziu até um quartinho iluminado apenas por velas. Sentaram-se em torno de uma mesa de cinco cantos e Carlos Augusto foi instruído a alçar o baralho com a mão esquerda, a mão do coração.
Ela foi virando as cartas. A primeira carta, foi "La Muerte", A Morte, traduziu a cartomante, para o susto do casal. Depois ela traduziu as cartas seguintes: "El Diablo", O Diabo, "La Torre de la Destrucción", A Torre da Destruição e, brandindo a carta no ar mostrou a figura de um homem enforcado pelo pé cujo o nome era "El Ahorcado". Por fim, a terrível revelação final, O Enamorado.
Um sobressalto apoderou-se da cartomante. Imediatamente, ela levantou-se e, sem dar explicações e nem cobrar nada, pediu que saíssem.
O Carlos Augusto saiu de lá praguejando, dizendo que aquilo era uma charlatanice e que iria denunciar à polícia, mas Elenora ponderou com lógica que a cartomante nem sequer cobrara, o que dava credibilidade ao que quer que fosse que ela tivesse visto nas cartas.
A dúvida ficou plantada. O que seria?
Sob protestos do Carlos Augusto, encontraram, através de um anúncio de jornal, uma cigana iniciada nas artes do ocultismo. Logo que lá chegaram, mostraram as suas mãos, ela olhou por alguns instantes e foi logo dizendo que sentia muito, mas não podia revelar o que vira. Só recomendou que resolvessem todos os assuntos pendentes na vida e por mais que insistissem, não revelou mais nada.
Aí, o Carlos Augusto começou a se preocupar. Resolveram procurar um astrólogo. Telefonaram, deixaram o dia e a hora de nascimento de cada um e marcaram uma consulta para dali a dois dias. No dia marcado, o astrólogo comunicou que estava doente e que não poderia mais atendê-los. Que procurassem outra pessoa.
Coisa semelhante aconteceu com a mãe-de-santo, ao jogar os seus búzios, com o numerólogo, com o piramidólogo, o I Ching e com a médium vidente.
Não havia mais dúvidas. Algo terrível esperava o casal no astral inferior, só que eles não sabiam o quê. Elenora fez oferendas à Iemanjá e, sob protestos da família, com quem ela morava, colocou uma estátua de Buda na sala e um copo cheio d'água, com uma imagem da Virgem ao lado da cama. Comprou um elefante com a tromba para cima, um pé-de-coelho e uma gravura de Krishna, afinal essas coisas nunca são demais e é bom não duvidar do além.
Carlos Augusto, por sua vez, virou chacota dos colegas da faculdade, porque passou a andar sempre com uma figa e um crucifixo pendurados ao pescoço. Ao invés da vida de Galileu, seu livro de cabeceira, passou a ler o Livro Tibetano dos Mortos e o Bagavtha Gita.
Para o desespero da família, Elenora mudou de opção no vestibular. Ao invés de odontologia, resolveu fazer filosofia, para se conhecer melhor, mas invés disso conheceu um professor bonitão, casou-se com ele e teve vários filhos. Carlos Augusto, percebeu também que não mais podia se interessar apenas pelas coisas da matéria. Resolveu estudar teologia, tornou-se um bom padre e nunca mais viu Elenora.
Afinal, seria muita insensatez da parte deles ficarem juntos e desafiar aquilo que já estava escrito.

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